terça-feira, 9 de novembro de 2010

O Estado de S.Paulo de 23/10/2010

Na era do batuque de palanque
O samba não manda mais na política. Sua importância foi suplantada pelos
pastores-cantores
23 de outubro de 2010 | 0h 00
Nei Lopes & Samba - O Estado de S.Paulo
Por incrível que pareça, o samba e os sambistas já tiveram importância na
política brasileira. Principalmente porque, durante a Era Vargas, o samba
foi peça fundamental no projeto de governo.


Nessa conjuntura, quando, na cidade do Rio de Janeiro, o Poder Federal e o
Municipal se confundiam, uma figura de proa foi Pedro Ernesto, interventor
federal que, depois, se tornou o primeiro prefeito eleito pelo voto popular
carioca.

Segundo Isabel Lustosa, em artigo no Jornal do Brasil em 1992, "num tempo em
que os políticos muitas vezes nem conheciam as localidades pelas quais se
elegiam", Pedro Ernesto foi buscar seus votos, com realizações
significativas, nos redutos mais distantes, entre eles os das escolas de
samba. Assim, em 1935, no seu primeiro desfile oficial, as escolas
disputavam o Troféu Pedro Ernesto.

No ano anterior tinha sido fundada a União (depois União Geral) das Escolas
de Samba, com a finalidade de ajudar a organizar os desfiles. A ligação
dessa entidade com o Partido Comunista era tão forte, tão forte que sua
sigla, Uges, acabou sendo traduzida pelos adversários como sendo "União
Geral das Escolas Soviéticas."

Em 1946, fora do carnaval, a Uges produzia um desfile em homenagem a Luiz
Carlos Prestes, com a participação de 22 escolas e sambas alusivos à saga do
Cavaleiro da Esperança. Entretanto, para frear o ímpeto, logo era fundada,
sob a influência do político Frederico Trotta, e tendo como secretário-geral
o jornalista Oyama Brandão, ferrenho anticomunista, segundo Sérgio Cabral
(As Escolas de Samba, 1996), a Federação Brasileira das Escolas de Samba.

O coronel Trotta foi o segundo governador do território federal do Iguaçu,
no atual Paraná, nomeado pelo presidente Dutra. Mas seu maior interesse era
o poder que emanava do Distrito Federal. Assim, às vésperas das eleições de
1950, um panfleto conclamava: "Companheiros das escolas de samba! Gente do
morro e da planície! (...) Unamo-nos, pois, em torno do nome do nosso grande
amigo de sempre e de longos anos Cel. Frederico Trotta, façamos força para
elegê-lo novamente, a fim de termos um defensor de nossos interesses na
altura da nossa querida metrópole. Às urnas! Em 3 de outubro de 1950, com a
cédula que representa a nossa gratidão, para vereador FREDERICO TROTTA".

No documento, transcrito no livro Império Serrano, Primeiro Decênio, de
Francisco de Vasconcellos (Rio de Janeiro, edição do autor, 1991), após a
data de 2 de agosto, seguem-se dez assinaturas de pessoas referidas no texto
como "velhos sambistas", mas nenhuma delas assim reconhecida.

Esse ano de 1950 foi essencialmente político. Assim, no início de janeiro,
era criada a União Cívica das Escolas de Samba, que recebeu logo a adesão de
poderosas forças do meio e o suporte jornalístico do Diário Trabalhista. E a
nova entidade, sem perda de tempo, aclamou como seus sócios honorários o
marechal Dutra e o prefeito Mendes de Moraes.

Mas a Federação, apoiada pelo jornal A Manhã, reivindicou seu direito de
controlar o concurso oficial das escolas. E a prefeitura, para contentá-la e
à União Cívica, instituiu dois desfiles, em dois trechos diferentes da
avenida. Enquanto isso, correndo por fora, a Uges realizou o seu na Praça
Onze.

Essa divisão só teve fim, em parte, em 1953, com a unificação dos desfiles,
que se seguiu à criação no ano anterior, da Confederação das Escolas de
Samba, herdeira da União Cívica. A partir daí, consolidou-se a hegemonia
histórica das "quatro grandes", Portela, Mangueira, Império e Salgueiro. E a
política foi tomando outros caminhos, como o dos enredos da ascensão da
Beija-Flor, tendo como tema as realizações da Ditadura de 64.

No momento atual, o samba (a não ser na trajetória isolada de sambistas como
a combativa Leci Brandão, recém-eleita deputada em São Paulo) não manda mais
nada na política, nem para o bem nem para o mal. Sua importância foi
suplantada pela dos pastores-cantores evangélicos, que hoje decidem, e
muito, na cena política brasileira.


NEI LOPES É ESCRITOR E PESQUISADOR, AUTOR DE LIVROS COMO O NEGRO NO RIO DE
JANEIRO E SUA TRADIÇÃO MUSICA

Um comentário:

  1. Sua idéia foi muito legal.
    Vai ser òtimo descobrir coisas e juntar informações sobre uma pessoa tão querida
    Alem disso é uma homenagem linda e uma forma de imortalizar as lembranças ,deixando os mais novos da familia saberem mais um pouco sobre esses "homens Trottas" que fizeram tão bonito.

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